sexta-feira, 24 de março de 2017

Os Princípios Bioéticos e o Debate Sobre a Eutanásia

Nas próximas semanas vamos publicar alguns excertos do artigo da Filósofa *Marta Mendonça sobre Os Princípios Bioéticos e o Debate da Eutanásia.



A reflexão sobre a morte

" Como prática a eutanásia não é uma novidade do mundo tecnológico. Todos conhecemos, e ouvimos serem invocadas, as práticas eutanásicas de Esparta, por exemplo. O que se alterou significativamente na nossa época foi o modo de abordar e de valorizar a eutanásia. De ser uma questão de facto, própria de civilizações que desconheciam os direitos humanos ou que não os reconheciam a todos os homens, algo que nos escandaliza e que há que erradicar, a eutanásia passou a reivindicar-se como um direito: o direito a morrer com dignidade, o direito a decidir sobre o termo da vida, o direito a ser libertado do fardo da vida. Este é também, no essencial, o elemento diferenciador entre a prática eutanásica da II Guerra Mundial e o enquadramento jurídico que se lhe quer dar actualmente. De entendê-la como uma prática desenvolvida à margem da lei e contra ela, por ordem de Hitler, passou-se agora a procurar o enquadramento legal que despenaliza ou que desresponsabiliza aquele que, movido por compaixão, alivia o sofrimento alheio, eliminando uma vida que se diz já carente de sentido. A eutanásia apresenta-se ou reivindica-se como um direito, portanto. Um direito que decorre, argumentam os seus defensores, de três princípios bioéticos comummente invocados e reconhecidos: o princípio do respeito pela dignidade, o princípio do respeito pela autonomia e o princípio de benevolência ou de não maleficência. As argumentações variam e os princípios invocados variam com elas; no entanto, o facto de que, partindo do sentido etimológico – “morte doce” –, a eutanásia tenha progressivamente adquirido o sentido de “morte digna”, revela que se quis pôr no centro do debate a questão da dignidade e do respeito por ela. Também por isso a eutanásia se formula como um direito: temos o direito a uma morte digna. Há, no entanto, algo que surpreende no debate sobre a eutanásia. E é que estes princípios – entendidos como critérios de juízo – são invocados dos dois lados da controvérsia. Também os críticos da eutanásia invocam estes três princípios – respeito pela dignidade, respeito pela autonomia a benevolência ou não maleficência – para fundamentar a tese de que a “solução final” da eutanásia é inadmissível do ponto de vista ético e de que não é essa a morte digna a que todos temos direito."

* Professora de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa

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