sábado, 28 de abril de 2018

Projectos de lei de eutanásia do Bloco de Esquerda e do PAN, alguns comentários de especialistas para análise mais profunda.

Apresentamos os projectos de lei que já deram entrada do parlamento para conhecimento mais aprofundado dos critérios e diferenças de cada partido sobre o seu projecto de lei da eutanásia:
Projecto de lei do Bloco de Esquerda N.º 773/XIII/3.ª, identifica  os critérios elegíveis pelo Bloco para este projecto de lei:" São três os elementos essenciais dessa definição e regulação. Em primeiro lugar, a delimitação do universo de requerentes legítimos através da cumulação de um diagnóstico (doença incurável e fatal ou lesão definitiva), um prognóstico (a doença em causa tem que ser incurável e fatal), um estado clínico (sofrimento duradouro e insuportável) e um estado de consciência. Em segundo lugar, o estabelecimento do respeito pela vontade livre e esclarecida do doente como requisito absolutamente imprescindível, com a consequente exclusão de menores e doentes mentais do universo de requerentes legítimos da antecipação da morte. E, em terceiro lugar, a consagração da garantia de um rigoroso cumprimento da lei, através de um mecanismo de validação prévia do procedimento seguido, mecanismo que não existe nas leis dos outros países que legalizaram a morte assistida. 
Recordamos o parecer  do CNECV, que concluiu que o diploma do PAN "não reúne as condições éticas para a emissão de parecer positivo" foi votado, por maioria, a 5 de Março, tendo tido o voto contra do conselheiro André Dias Pereira. Em dez pontos, o conselho, que organizou no último ano um ciclo de debate pelo país, alerta para as condições de desigualdade criadas pelo Estado neste processo relativamente aos cuidados de saúde dos cidadãos. "A proposta de legalização da morte a pedido abrirá uma lacuna de relevante significado ético e social pela assimetria das condições disponibilizadas e das iniquidades no acesso aos cuidados de saúde pelos cidadãos", lê-se no texto. O CNECV acha questionável "o direito de alguém ser atendido quanto ao seu pedido para ser morto, de uma forma ativa, independentemente de quem pratica o ato de matar - o próprio ou terceiro" e alerta para as dúvidas constitucionais deste novo direito face ao "princípio da inviolabilidade da vida humana". O projeto do PAN, ainda segundo o parecer, "considera indistintamente o ato de matar (eutanásia ativa direta) e o de auxiliar ao suicídio", o que "colide com uma ponderação ética distinta" quando se trata do "ato de concretizar a morte por si próprio ou o ato de reclamar a obrigação de terceiros como executores dessa vontade".
Esta discussão não “pode sobrepor-se nem antecipar-se à necessidade de assegurar uma rede de cuidados paliativos e continuados eficaz”, lê-se ainda no texto.
A ordem considera ainda o projeto bloquista “muito redutor” porque centraliza o processo “num único profissional de saúde, o médico”, ignorando a intervenção de outros, como os enfermeiros, e alerta que a antecipação da morte pode ser “analisado e decidido por um médico assistente, sem qualquer relação quotidiana com o doente”.
No parecer, alerta-se ainda para a incoerência de o projeto prever que, no processo de antecipação da morte os enfermeiros atuem “desde que a sua intervenção decorra sob supervisão” dado que, no regulamento do exercício destes profissionais, “em momento algum da atuação dos enfermeiros atuam sob supervisão”.
A Ordem recorda ainda que “é obrigação do enfermeiro exercer a sua profissão com respeito pela vida, pela dignidade humana e pela saúde e bem-estar da população”.

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Projecto de eutanásia do PS - regula as condições especiais para a prática de eutanásia não punível

Apresentamos o processo de pedido de eutanásia e os critérios para a antecipação da morte segundo o PS. 
"O pedido de abertura do procedimento clínico é efetuado pelo doente, que tem de ser uma pessoa maior, em situação de sofrimento extremo, com lesão definitiva ou doença incurável e fatal. 
O pedido é dirigido ao médico escolhido pelo doente, o médico orientador. Este é o primeiro passo do procedimento clínico. Salvaguarda-se a possibilidade de estar a decorrer ou de se iniciar um processo judicial visando a incapacidade do doente, suspendendo o procedimento, considerando assim a preocupação manifestada pelo Conselho Superior Magistratura em parecer relativamente a outra iniciativa sobre a matéria. A segunda fase do procedimento clínico é o parecer do médico orientador. O médico orientador emite parecer sobre se o doente cumpre todos os requisitos e presta-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis e o respetivo prognóstico, após o que verifica se o doente mantém e reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada. De resto, todos os passos do procedimento clínico, e neles, a reiteração da vontade do doente, são registados, datados e assinados. 
A terceira fase do procedimento clínico é a confirmação pelo médico especialista na patologia que afeta o doente. Se este parecer não for favorável à antecipação da morte do doente, contrariando, assim, o parecer do médico orientador, o procedimento em curso é cancelado, só podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura. A quarta fase do procedimento clínico é eventual. Trata-se da verificação por médico especialista em psiquiatria, nos casos expressamente previstos no projeto de lei. Numa quinta fase, recolhidos os pareceres favoráveis dos vários médicos intervenientes, e reconfirmada a vontade do doente, o médico orientador remete então, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e das fases anteriores do procedimento, à Comissão de Verificação e Avaliação do Procedimento Clínico de Antecipação da Morte. Em caso de parecer desfavorável desta Comissão, o procedimento em curso é cancelado, também só podendo ser reiniciado com novo pedido de abertura. 
A derradeira fase do procedimento clínico é a concretização da decisão do doente. Deixa-se claro que no caso de o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão. Evidentemente, a revogação da decisão de antecipar a morte em qualquer momento cancela imediatamente o procedimento clínico em curso.
Leia o projecto de lei do PS aqui.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Às sentinelas das nossas vidas, por Erwan Le Morhedec


Até onde me recordo, vejo mulheres, as suas mãos e os seus rostos. Mãos de serviço e rostos da graça. Mãos que nos acolheram um dia para a luz. Mãos que nos lavam e que nos secam, mãos que nos ligam à nossa mãe. As mesmas mãos que nos tratam, que nos arranjam, as mesmas mãos que nos limpam e que nos cuidam, mãos, que acariciam e, que, nos acalmam quando chega o momento de partir, para a noite, para uma outra luz, quem sabe. No corpo, nos odores, nas feridas e no sangue. Elas estão lá para nos receber do seio das nossas mães, elas ainda estão lá para nos acompanhar nos nossos últimos dias.
 Eu só conheço mulheres. Enfermeira, ela chamava-se Caroline. Cuidadoras, elas chamam-se Céline, Ségolène e Malika. Cyprienne, Laurence e Sylvia. Lucile. Eu estava nesse dia na sala de tratamentos de uma unidade de cuidados paliativos e, era o único homem. A psicóloga, era uma mulher. A terapeuta ocupacional? Também. A socio-esteticista, também. E, entre os voluntários, quantas mulheres ainda? Claro que existem mulheres na guerra e, eu, conheço homens, nos cuidados paliativos. Mas, ali, eu era, o único homem.
«Elas estão lá, se for necessário. Silenciosas, se for preciso. Ao ritmo de um respirador talvez.» 
Elas estão lá, realmente, estas  «sentinelas do invisível»«testemunhas dos valores essenciais que só podem ser compreendidos com os olhos do coração»  – citando as palavra de João Paulo II –, humildes e discretas no seu posto. As voluntárias em cuidados paliativos, por natureza e, por formação, não se impõem. Elas estão lá, se for necessário. Silenciosas, se for preciso. Ao ritmo de um respirador, talvez. Perto de um ou de uma de nós que vai partir, que sofre, no seu corpo ou, na sua alma.
 A dedicação paciente destas mulheres nestas unidades de cuidados paliativos, a sua discrição e a sua fidelidade não tem um formato mediático agressivo. Eu estava lá nesse dia – ainda lá estou um pouco – e, aquilo que observei, através das suas mãos, dos seus olhares, se comunicar, através, dos seus sorrisos e pelas suas palavras, era a essência da humanidade, a caridade, o amor. Era a graça, divina. Que ela lhes seja prestada. 
* Advogado e escritor 
Fonte: lavie.fr